O Viajante

domingo, setembro 03, 2017



A casa de Susan foi assaltada.
Não era uma casa deslumbrante, mas tinha seus pequenos charmes e prazeres, escolhidos a dedo pela dona a fim de decorá-la apenas com o que ela tinha de melhor dentro de si.
Um dia, ao voltar do trabalho, ela encontrou a porta arrombada, cadeiras no chão, gavetas abertas, papéis por todos os lados. Os tapetes haviam sido arrastados, os quadros arrancados e os cacos de vidro indicavam que os porta-retratos foram destruídos.
Ela passou um longo tempo tentando limpar toda a bagunça, colocar as coisas e ordem, reparar os danos no que havia sido quebrado. Outro tempo foi dispensado para mensurar as perdas do que o ladrão havia levado.
Móveis, roupas, equipamentos.

Susan não tinha mais TV, som, computador e até sua torradeira havia se perdido. 

E mesmo perdida entre a tristeza e a raiva, ela se esforçou para colocar tudo no lugar. Trabalhou até mais tarde para conseguir um pouco mais de dinheiro para comprar o que o ladrão levou, usou seus finais de semana para tentar consertar as coisas que restaram e ela não queria se desfazer.
Susan chegou, até mesmo, a contratar uma pessoa para ajudá-la a colocar "a casa em ordem".
Tempos depois, ela ainda sentia medo todas as vezes que chegava em casa ou ouvia um barulho de um galho na janela às 3h20 da manhã, mas a cada dia as coisas ficavam mais tranquilas.

Certo dia a rádio local informou que uma tempestade atingiria a cidade naquele entardecer e que poderia durar por uma semana. O radialista decretou estado de emergência e sugeriu para que todos ficassem em casa até que as coisas se acalmassem.
Susan não se preocupou, gostava de ficar em casa e, mesmo sozinha, não se importaria em ter alguns dias de folga para si.

Foram duas batidas na porta que surpreenderam Susan no final daquela tarde.
Ela caminhou, curiosa, até a entrada da casa e olhou através da cortina. Havia um homem com pouco mais de 1m80 parado do lado de fora, olhando desconfiado para os lados e esquentando os braços esfregando as próprias mãos.
Susan atendeu a porta e o homem não exitou em explicar a ela que estava de passagem pela cidade para visitar dois amigos, que também eram amigos de Susan, porém o casal havia viajado e ele estava sem abrigo.
O homem também explicou que tentou se hospedar no único hotel da cidade, mas devido a notícia da tempestade, não sobrara nenhuma vaga e todas as linhas de ônibus e trem estavam interditadas. Desesperado, ele disse que os amigos disseram que Susan era uma boa pessoa e aceitaria hospedá-lo até que o tempo normalizasse.

Ela se compadeceu da situação do viajante, porém informou que não poderia receber um desconhecido em sua casa. O homem argumentou, ligou para os amigos em comum e eles mesmos fizeram o pedido.
Susan disse novamente que não acreditava ser uma boa opção, mas ao ver o desespero do viajante, aceitou recebê-lo em sua sala. Ela deixou bem claro que ele não deveria tocar em nada e nem visitar os outros cômodos.
O homem, agradecido, sorriu em resposta e concordou.

Durante o primeiro dia da tempestade Susan e o viajante trocaram algumas tímidas palavras e dividiram o jantar. Já no segundo dia, ela assistia TV quando o homem perguntou se poderia ver também. 
Susan não viu mal e deixá-lo entrar na sala de TV, era bom ter uma companhia de vez em quando. Durante o jantar daquela noite eles contaram histórias divertidas sobre suas vidas .
No terceiro dia conversaram por horas e o viajante até mesmo ajudou Susan com o preparo do jantar, cortando as cebolas, colocando os pratos na mesa e lavando a louça. 
O quarto dia transcorreu como se ela e o viajante se conhecessem desde sempre, Susan até mesmo se surpreendeu com a facilidade que ambos tinham em se entenderem tão intensamente. 
Naquela noite ela contou ao homem sobre quando sua casa foi assaltada e ele, compreensivo, jurou que jamais faria algo tão ruim a ela. Um vendo, dizendo que esfriaria ainda mais, então Susan ofereceu o quarto de hóspedes para o homem, assim ele não sentiria o frio intenso da madrugada.

Daquele dia ao sétimo, Susan e o viajante surpreenderam-se em como demoraram tanto para se conhecerem, eles compreendiam um ao outro com o olhar. 
Quando o vento gritava alto demais, o viajante preenchia o ambiente com alguma lembrança feliz para distrair Susan, assim como ela sempre estava oferecendo algo realmente bom para que ele comesse ou escolhendo programas de TV que com certeza ele gostaria de assistir.

No oitavo dia o radialista local informou que a tempestade havia passado e que no dia seguinte as pessoas poderiam retomar sua vida rotineira novamente.
Susan e o viajante comemoraram a notícia com uma boa taça de vinho e acabaram dormindo ali mesmo na sala, cansados e com sorrisos nos lábios.

Susan acordou cedo naquela manhã, despediu-se do viajante e disse que ele poderia ficar mais alguns dias se precisasse. O homem agradeceu e confirmou que ficaria mais um tempo, mas não tanto para não incomodá-la. 
Ela sorriu e disse que traria pizza para o jantar.
Naquela noite, quando Susan abriu a porta de casa seu coração disparou. A casa estava revirada, folhas de papel no chão, móveis virados, copos e pratos quebrados.
Em um primeiro momento ela ainda chamou pelo viajante, preocupada com o que poderia ter acontecido com ele, porém, ao caminhar até o sofá onde haviam dormido na noite anterior, encontrou um bilhete escrito de qualquer jeito.

"Querida Susan,
Peço perdão, mas não pude evitar. Precisava seguir minha viagem e não encontrava como, essa foi a única alternativa. 
Espero que você consiga organizar a bagunça e comprar as coisas que levei. 
Você merecia um viajante melhor, tenho certeza que vai encontrar.
Agradeço por tudo o que fez por mim, eu teria morrido na tempestade se não fosse por você e por isso mesmo eu me odeio por te roubar.

Você é forte, vai conseguir colocar tudo em ordem novamente".



Moral da história: cuidado com os viajantes da sua vida, que chegam sem avisar e te deixam se responsabilizar. 

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